quarta-feira, 9 de maio de 2007

OS PEIXES, OS SEDIMENTOS E AS USINAS

Parece que não está havendo diálogo entre as partes do governo que divergem sobre a construção das duas hidrelétricas previstas pelo PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) para o rio Madeira: as usinas de Jirau e Santo Antônio. Em um relatório de 256 páginas, os técnicos do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) sustentam que o EIA-Rima é deficiente e não garante a solução de dois graves problemas que surgirão em conseqüência do represamento do rio: o desaparecimento de um tipo de peixe, que vive entre os cursos de jusante e de montante, e a acumulação de sedimentos a montante da barragem, reduzindo consideravelmente o tempo de vida útil do seu reservatório.
Sem acesso à íntegra do relatório e tendo do debate informações secundárias a opinião pública pode ficar cada vez mais desinformada sobre uma questão que não devia estar causando tantos embaraços.
Represas não deveriam ser mais fonte de problemas para os peixes. Há uma providência técnica já largamente dominada: a escada de peixe. A primeira foi construída na década de 50, na usina de Boneville, no rio Colúmbia, nos Estados Unidos, para salvar uma espécie ainda mais valiosa que o dourado: o salmão. Os pescadores ameaçaram dinamitar a barragem se não fosse garantido aos salmões subir pelo rio para desovar do lado do Canadá, no alto Colúmbia. Para eles - e para todos - salmão valia mais do que quilowatts. Coisa que Cassol não concorda.
Quanto aos sedimentos, eles podem deixar de ser ameaça se for construído um descarregador de fundo. Esse mecanismo estava previsto no projeto original da hidrelétrica de Tucuruí porque a bacia do Tocantins-Araguaia também arrasta muitos sedimentos, embora não tanto quanto o Madeira, que lança metade do material em suspensão que chega ao Amazonas através dos seus afluentes.
Mas o descarregador de Tucuruí foi cancelado. Por dois motivos. Um, o risco que poderia representar para a estrutura de concreto, com 75 metros de altura a partir do leito do rio. Ela suporta 50 trilhões de litros de água acumulados e a vazão do rio, que pode chegar próxima de 70 milhões de litros por segundo, no pique da cheia, acarretando intensa vibração. Mas esse fator era secundário: a engenharia daria conta dele. O principal foi o custo: quando Tucuruí era calculada em US$ 2,1 bilhões, o descarregador sairia por R$ 200 milhões, ou 10%. A Eletronorte preferiu bloquear a passagem de sedimentos pelo fundo da barragem. E esqueceu o assunto.
Até quando?
A possibilidade desse descarregador em Santo Antônio e Jirau não podia ser retomada agora? Provavelmente a questão já foi levada em consideração. A Eletrobrás disse que contratou para estudar as duas usinas o maor especialista em sedimentologia do mundo. Mas da mesma maneira como a estatal alega não conhecer o relatório do Ibama, os mortais comuns nada souberam do resultado da consultoria do expert.
Enquanto a pendenga não se resolve o mundo gira e o cidadão só vai tomar conhecimento do fato consumado quando chegar a hora de pagar a fatura.

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